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quinta-feira, 20 de março de 2014

"Para escapar do pibinho, abertura é o caminho", diz Bacha

O estadão publicou a entrevista abaixo, com Edmar Bacha, um dos "pais" do Plano Real e atual líder do grupo "Casa das Garças", uma espécie de think-tank tupiniquim de economistas ligados aos tucanos. Mas não chega à ser um Shadow Cabinet porque, segundo o próprio Bacha, eles não estão debruçados em nenhum plano de governo para Aécio apresentar nas eleições deste ano.

De toda a forma, a entrevista mostra boa lucidez sobre os problemas do país e pode servir para uma discussão mais ampla sobre os rumos da nação.

O original pode ser lido clicando aqui.

RIO - No atual debate político econômico brasileiro, poucos têm posição tão clara como o economista Edmar Bacha. "Não é segredo para ninguém que sou tucano", diz ele. Um dos pais do Plano Real e hoje diretor da Casa das Garças, ponto de encontro carioca reservado às discussões de temas de interesse nacional, Bacha defende que o novo governo vai precisar impor um "desafazimento" da atual política macroeconômica e lançar as bases para uma abertura comercial de longo prazo.

Segundo Bacha, os "pibinhos" são frutos do isolamento nacional. "Estou convencido que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional", disse na entrevista que se segue.

No evento que marcou os 20 anos do Plano Real, na semana passada, o senhor disse que no primeiro dia do novo governo seria necessário retomar a reforma tributária. A agenda se resume à reforma?

Edmar Bacha:
Não. Com certeza é mais ampla. Eu parto de um diagnóstico, com uma sequência de pontos. O primeiro ponto é a constatação que estamos presos na chamada armadilha da renda média. Desde 1981, o Brasil vem tendo um crescimento medíocre. Esse processo parecia ter se alterado a partir de 2004. Porém, fica muito claro hoje que o impulso adicional que a economia teve entre 2004 e 2011 foi fruto único e exclusivo da bonança externa. A alta dos preços das commodities (matérias-primas com cotação internacional) e a enorme entrada de capital nesse período propiciaram e financiaram um extraordinário aumento da demanda interna. Como havia no começo do período uma capacidade ociosa acentuada e um desemprego alto, isso permitiu, durante esse período da bonança até 2011, que o País crescesse mais do que vinha crescendo no período anterior. Com a reversão da bonança, os preços das commodities começaram a cair e o fluxo de capital, por circunstâncias diversas, se reverteu, e voltamos aos pibinhos. Associado a esses pibinhos vem algo peculiar. Se temos pibinhos, deveríamos ter inflação baixa. No entanto, ao contrário, estamos com inflação elevada para os padrões dos nossos vizinhos - com exceção de Argentina e de Venezuela, que ninguém mais leva em conta. Há também déficit externo, quando pibinhos são associados a superávits comerciais. Esse conjunto denota que a economia brasileira tem uma enfermidade. Estamos diante de uma doença brasileira, que se forma pela associação de baixo crescimento, alta inflação, déficit externo e, para compor o quadro, desindustrialização. O que se constata é que o pibinho não é produto do atual governo, não é cíclico. É uma característica da economia brasileira há 30 anos. Uma característica quase secular - o País tem limitações para fazer a transição para o primeiro mundo.

Qual o segundo ponto do diagnóstico?

Edmar Bacha:
O segundo ponto é o que se vê quando listamos os países que, no pós-guerra, conseguiram fazer a transição da renda media para a renda elevada. Não foram muitos. Na minha conta, foram uns dez. Os Tigres Asiáticos e Israel fizeram a transição com base na indústria exportadora. Os países da periferia europeia - Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda - fizeram a transição com base em prestação de serviços, inclusive com a concessão de mão de obra para a comunidade europeia. O terceiro conjunto de países inclui Austrália, Nova Zelândia e eu também colocaria no grupo a Noruega. Até o final dos anos 1960, a Noruega era o mais pobre entre os nórdicos e agora é o mais rico. Esses três países fizeram a transição na base de produtos naturais. Cada um fez a transição a sua maneira, mas com uma característica comum: todos se integraram a um mercado maior e encontraram nichos a partir dos quais conseguiram se desenvolver. Isso é empírico. A transição ocorreu por meio da integração internacional. Analiticamente, parece claro - para transitar da renda média para a alta renda, o nome do jogo é produtividade. Para todos esses países havia acabado a fase fácil em que se conseguia aumentar a produtividade trazendo gente da cidade para o campo - a fase em que a China e a Índia ainda se encontram. Como o ambiente urbano é mais produtivo que o campo, a mera transição do campo para a cidade, num contexto frequentemente de substituição de importações, permite que se faça a transição da pobreza para a renda média.

O Brasil já fez essa transição no mercado de trabalho, não? Hoje, nem a demografia ajuda mais.

Edmar Bacha:
Com certeza. É fato que acabou o excesso de mão de obra. Somos todos urbanos e não há mais crescimento da mão de obra. Mas nesse contexto temos que nos perguntar o que é produtividade. Em parte, é tecnologia. É preciso utilizar bens de capitais e insumos modernos. Produtividade também é escala. É preciso ter um mercado amplo para ter acesso aos benefícios da escala. Isso é uma característica da produção moderna. Terceiro, é preciso especialização. As empresas devem estar focadas naquilo em que são boas. Quarto, é preciso ter concorrência. Esse conjunto de fatores só se encontra quando um país se integra ao comércio internacional. Nisso está nosso problema. Quando comparamos o Brasil ao resto do mundo, para surpresa de muita gente, o País está em outra direção. Entre os 176 países para os quais os Banco Mundial tem dados, o Brasil é o que tem menor participação das importações no PIB - 13%. Contei isso para dois colegas da PUC-Rio num almoço e eles perguntaram: mas você tem certeza disso? Sim. O Brasil é o País mais fechado do mundo, sem considerar a Coreia do Norte, para a qual não há dados. E isso ocorre dos dois lados da balança. É assim tanto para importações quanto para exportações. O Brasil é um gigantinho em termos de PIB - é o sétimo do mundo. Mas é um anão em termos de exportações - o vigésimo quarto. Todos os outros seis que vêm antes do Brasil têm grandes PIBs e são grandes exportadores. A União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão. Todos têm essas características. O Brasil é um grande que não exporta. Se ainda há alguma dúvida sobre a situação em que se encontra o Brasil, podemos fazer mais uma comparação. Nos anos 1960 e 70, a Coreia do Sul também crescia com base na substituição de importações, mas a partir do choque do petróleo, em 1974, houve uma total inversão na sua estratégia. O país passou a praticar uma forte política de promoção às exportações. Hoje, a Coreia exporta 58% do PIB. O Brasil exporta 12% do PIB. Há 40 anos, o PIB per capita da Coreia do Sul era praticamente igual ao do Brasil. Hoje, é três vezes maior do que o brasileiro. A Coreia tem grandes grupos empresariais exportadores, com tecnologia de ponta, educação de primeira. Se começarmos a fazer uma lista de requisitos para o desenvolvimento, não vamos parar mais. Volta e meia tem gente que faz uma lista de tudo que precisa ser consertado no Brasil e na hora que você vê a lista fica desesperado. Se é preciso consertar tantas coisas, não vamos chegar lá. Mas como Hirschman (Albert Hirschman, economista americano) nos ensinou: temos de pensar em termos de estratégia. Quais são os fatores críticos que, uma vez alterados, forçam o realinhamento do resto? Estou convencido, por todas as razões que acabo de falar, que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional.

Pela sua exposição, foi feito tudo ao contrário do que se deveria, então.

Edmar Bacha:
Sim. Hoje temos uma economia improdutiva, de alto custo, que sobrevive com enormes níveis de proteção. Nossos altos preços são frutos de uma economia fechada. A resposta do governo para toda essa problemática, principalmente depois de 2007, foi fechar mais. Quando o governo viu a desindustrialização e a incapacidade de concorrência das nossas empresas, ele aumentou as tarifas de importação e reduziu o IPI para produtos como automóveis produzidos localmente. Houve uma generalização da política de conteúdo local, da ideia de adensamento produtivo e da percepção de que é preciso criar mais proteção. Vou usar uma analogia. Vocês são muito jovens e não vão lembrar, mas tudo bem. Nos bondes de Belo Horizonte, nos anos 1950, havia anúncios do Regulador Xavier, O Grande Amigo da Mulher. Número 1: excesso. Número 2: escassez. Nós temos escassez de exportação e, portanto, precisamos de Regulador Xavier número 2. Abertura. Mas o governo está usando como remédio o Regulador número 1, que é para excesso. Faz isso porque vê excesso de importações. E ainda tenta corrigir o problema setorialmente. Vai setor por setor, olhando qual é o déficit comercial. Na indústria da saúde - esse eu sei - o déficit é de US$ 11 bilhões. Na indústria de eletrônicos - esse eu também sei - US$ 16 bilhões. Em função dos déficits setoriais, o governo cria estratégias de proteção, via subsídios creditícios do BNDES e via requisitos de conteúdo local, exagerados. São excrescências. E há ainda uma terceira excrescência: os PPBs, Processos Produtivos Básicos. Se você quer se beneficiar dos subsídios e da proteção para produzir a tomada de três pontas - esse grande avanço tecnológico brasileiro (risos) - basta submeter um projeto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apresentando especificações das diversas etapas do processo produtivo, e um burocrata do ministério vai dizer quanto você tem que comprar de produto local para produzir aquele bem. É a mesma coisa por todos os lados: para dar uma resposta à baixa produtividade o governo aumenta a improdutividade, criando e ampliando toda essa parafernalha. Vou dar um exemplo bem pequenininho. A Unesco está lançando um concurso de projetos, voltado a pesquisadores de universidades interessados em fazer um estudo analítico sobre como aprofundar a política de adensamento produtivo, de maneira a beneficiar os setores mais atingidos pela onda das importações. Veja você: é um projeto realmente encomendado e financiado por alguém do Brasil para a Unesco e a gente sabe que vai ter só uma proposta, de uma universidade do interior paulista. A gente precisa romper com essa combinação desastrosa que existe no Brasil de hoje.

O argumento usado em favor da proteção é de que o País precisa preservar empregos e setores mais frágeis da economia. A abertura será necessariamente traumática?

Edmar Bacha:
Primeiro eu vou ter de convencer que a abertura é o caminho. Feito o convencimento, teremos de definir a estratégia - e essa estratégia precisa passar por dois testes. O teste de política econômica, que cumpra com requisitos básicos como eficiência, geração de emprego, desenvolvimento de tecnologias, e o teste do setor, porque é preciso levar em conta que a estratégia pretérita criou grupos de interesse e realidades subjetivas. As multinacionais vieram para o Brasil com o compromisso implícito do governo de que o nível de proteção não iria abaixar. Eu mesmo vi isso. Conversando com representantes de indústrias químicas interessadas em se expandir, eles só diziam uma coisa: "mas vocês garantem que não haverá redução das tarifas depois de a gente entrar? Daqui a gente não consegue exportar. Se houver redução das tarifas a seco, vamos à falência porque nossos concorrentes, que produzem lá fora a preços bem mais baixos, vão conseguir vender aqui com muito mais facilidade." Como fazer a transição é um problema e, para superá-lo, eu tenho uma proposta baseada em três pilares. O primeiro pilar é reduzir o Custo Brasil. Os empresários têm toda razão de reclamar do peso e da complexidade da carga tributária brasileira. Têm toda razão de reclamar da falta de logística, da precariedade de nossos portos, estradas e aeroportos. Portanto, o primeiro pilar é atender a esse reclamo. Por isso, eu disse que no primeiro ano do novo governo é importante dar uma limpada de área e fazer uma reforma tributária que ao menos simplifique o sistema. O Dornelles (Francisco Dornelles, senador) tem a proposta do VAT (termo em inglês para Imposto de Valor Adicionado, ou IVA) nacional, que teria impacto sobre toda a estrutura. O resultado seria extraordinário em termos de redução da complicação e do aparato de pessoas e processos administrativos e judiciários, contadores e advogados, que as empresas precisam manter para atender e muitas vezes se contraporem as exigências do fisco. Uma coisa que só aumenta a improdutividade da economia. Uma simplificação é essencial. Assim como é essencial entrar de corpo e alma no processo de concessões para termos portos, aeroportos e estradas com a mínima condição de escoar nossa produção. É um programa para sete anos - os três anos do primeiro, mais os quatro do segundo mandato...

É o que o sr. já chamou de Plano Real para a indústria?

Edmar Bacha:
Dei esse nome lá atrás para chamar a atenção.

O sr. rebatizou?

Edmar Bacha:
Com esse nome, ficava banalizado. O Real foi o que foi. Usei esse nome como uma maneira de chamar a atenção para o projeto - e funcionou. Fui chamado para falar na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, no Itamaraty, no Senado. As pessoas já estão atentas à substância do projeto.

Quais os outros pilares do plano?

Edmar Bacha:
O segundo ponto, como dizia, é trocar todo o aparato protecionista - tarifas, preferência por compras governamentais, política de conteúdo nacional, o crédito subsidiado e outros - por câmbio. O câmbio não é de graça. Se fosse de graça, seria inflacionário. Mas no contexto em que você está reduzindo o custo dos importados, pode se dar ao luxo de elevar o preço das exportações. Ao substituir a proteção tarifária pela proteção cambial, já se faz seleção natural. Quem se beneficia da proteção cambial são as empresas e setores mais eficientes, com maior capacidade exportadora. Não será preciso manter um aparato de microgerenciamento, como há hoje. É claro que será preciso ter mecanismos indutores. O governo vai precisar ficar atento a quais são as vantagens naturais existentes, aos rumos da tecnologia mundial, a como se defender de concorrentes comerciais, onde é possível entrar mais facilmente. Esse é um enorme papel para o Estado dentro de uma política industrial voltada à integração da economia brasileira às cadeias internacionais de valor. Isso vai substituir a atual política de adensamento produtivo. A terceira perna são os acordos comerciais. Vamos abrir, sim, mas não vamos entrar no jogo de graça. A decisão de abrir é unilateral e progressiva. Precisa ficar claro para as multinacionais que estão aqui que o jogo mudou, mas que elas terão tempo de se adaptar. Poderão deixar de produzir tudo localmente e se integrar às suas filiais e subsidiárias internacionais. O comércio internacional de hoje não é igual ao que existia no tempo de David Ricardo (economista inglês, um dos pais da escola clássica no século XIX), quando Portugal exportava vinhos e importava tecidos da Inglaterra. Hoje o comercio é intrasetores e intrafirmas, dentro das indústrias, como a automobilística. Mais recentemente, ele se tornou intraprodutos. Onde o iPad é produzido? Depende de que nível estamos falando. Ele é concluído na China por uma empresa de Taiwan. O comércio internacional é feito por essas cadeias globais de valor - das quais o Brasil se isolou totalmente. Há um problema de fato geográfico - mas aí vou entrar no detalhe. Posso?

Claro. Mas aproveitamos para perguntar: como fica o Mercosul?

Edmar Bacha:
A questão é justamente essa. As cadeias globais têm uma localização geográfica. Há uma na União Europeia. Outra na América do Norte, no entorno dos Estados Unidos. Há uma terceira Ásia. Nós ficamos isolados, mas podemos começar nossa cadeiazinha aqui. O fato é que com a atual política distorcida do Mercosul, como bem notou José Roberto (José Roberto Mendonça de Barros tratou do tema no evento sobre o Plano Real, na última quarta-feira), o projeto original da integração automobilística pretendia aproveitar a expansão regional, produzir tipos específicos de automóveis, que depois seriam exportados para o mundo. No entanto, virou esse meleiro geral. Como ele disse: vão entrar não sei mais quantas montadoras aqui no Brasil e vai sair carro pelos tubos, porque esse carro produzido aqui não pode ser exportado. Não tem preço. Então, temos que voltar ao projeto original de integração econômica, e física também, da América do Sul. Mas é uma integração regional com visão globalizada. Não é para fazer, o que era o projeto original da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das Nações Unidas), a substituição de importações a nível regional. Não se trata disso. Temos que aproveitar a proximidade regional e as diferentes vocações dos países para fazer uma complementação produtiva, de tal forma que facilite, numa segunda etapa, a integração com o resto do mundo.

Em algum momento o sr. fez uma estimativa do quanto o País poderia crescer com esse processo de abertura?

Edmar Bacha:
Dá para chegar em 2030, aonde Portugal está, e ter US$ 24 mil (de renda per capita). Esse é que é nosso objetivo para um horizonte de longo prazo. Isso envolve, basicamente, uma trajetória de crescimento de em torno de 5% ao ano.

Foram preciso décadas para implantar um plano de combate a inflação que funcionasse. Há espaço político para a implantação de um plano de abertura como esse?

Edmar Bacha:
Você se lembrará que, em 1993, a equipe econômica foi muito relutantemente convocada a serviço do Plano Real, porque achava que não havia condições políticas para tal. Portanto, as condições políticas propícias para o Real foram após ele ter tido sucesso. Vistas "ex ante", as condições eram péssimas. Você tinha um governo de um vice-presidente (Itamar Franco, empossado após o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello), que não tinha legitimidade, não tinha maioria no Congresso, só tinha mais dois anos pela frente e havia demitido três ministros da Fazenda em sete meses. Que condições políticas eram essas? Era uma desgraça! Um plano desse tipo você implanta no primeiro ano de um governo recentemente eleito, com poder político e com capacidade de implementar todas as medidas que o plano exige. Por que a gente fez tanta ênfase em votar o Fundo Social de Emergência antes de introduzir a URV (Unidade Real de Valor, indexador que precedeu o lançamento do real)? Como você gera um processo de expectativas que se volte a seu favor? O Fernando Henrique anunciou o plano em três etapas. A primeira era mandar uma emenda constitucional para o Congresso. Se o Congresso aprovar, vamos implementar a unificação do sistema de indexação. Feita a indexação, vamos introduzir a nova moeda. Ou seja, estou dizendo para os políticos: "lá na frente, eu vou eleger vocês. Mas só vou eleger vocês se antes disso me derem o ajuste fiscal". Havia essa sequência. Era época de reforma constitucional, prevista na Constituição de 1988, e você sabe que outra reforma constitucional nós passamos em 1993? Além dessa, acabamos com a proibição para que professores estrangeiros lecionassem nas universidades públicas brasileiras. Eu fiz um pacote de reformas constitucionais para acompanhar o plano, junto com o Serra (José Serra, ex-ministro da Saúde) e com o Jobim (Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça). Era um pacote desse tamanho de reformas. Alguma coisa foi aprovada? Não. Zero. Isso virou o programa do Fernando Henrique no primeiro mandato.

Como a proposta de abertura comercial tem sido recebida?

Edmar Bacha:
Na verdade, me surpreendo com o quão favorável é a resposta. Os empresários raciocinam o seguinte: "eu jogo a regra do jogo". Se a regra do jogo é a proteção e o subsídio dentro desse contexto de manutenção do elevado Custo Brasil, o empresário passa boa parte do seu tempo em Brasília e na Avenida Chile (onde fica a sede do BNDES, no Rio), em vez de ficar trabalhando na fábrica. O empresário sabe que se ele não for, o concorrente vai. Ele tem que jogar o jogo que o governo está jogando. E ele joga insatisfeito. É clara a insatisfação dos empresários. Os bons empresários, que têm capacidade e eficiência, sabem que dentro dessas regras não há como sobreviver. Agora, ao anunciar que as regras serão alteradas, que tudo será transparente, que vai dar tempo para se ajustar, que as regras serão iguais para todos e ao mostrar que o governo tem poder político para fazer, o empresário topa a mudança.

E como fica o BNDES?

Edmar Bacha:
O BNDES, depois da crise, foi totalmente desvirtuado. O mercado de capitais estava se desenvolvendo e o BNDES se voltando para duas grandes linhas - de complementação do financiamento privado e de especialização em nichos muito críticos, mas que o setor privado não vai atacar, como infraestrutura e alta tecnologia. Mas, de repente, o BNDES virou a mãe do todos os empresários brasileiros. Abriram o Tesouro para ele fazer tudo o que queria e o BNDES se tornou esse Golias - não, Golias não, isso seria uma homenagem. Tornou-se esse gigante balofo que está aí, que, na verdade, em vez de complementar, está substituindo o mercado financeiro, inibindo o desenvolvimento financeiro do País, distorcendo a alocação de recursos, criando um orçamento paralelo que não é votado pelo Congresso, que não é incluído nas contas públicas, tornando ainda menos transparentes as contas públicas brasileiras. O BNDES virou uma desgraça e certamente ele tem que voltar aos trilhos de antes dessa expansão extraordinária, propiciada por uma percepção equivocada das consequências da crise econômica financeira internacional de 2008 e 2009.

A sua proposta de abertura inclui eleger setores ou que sobreviva quem é eficiente apenas?

Edmar Bacha:
Não, não é a volta de Joaquim Murtinho (ministro da Fazendo na virada do século XIX para o XX, que pregou a eliminação dos produtores ineficientes). É preciso, dentro de uma perspectiva de 30 anos, ter em mente vocações básicas. Onde já há promessas interessantes? A política industrial continua existindo. Mas não é eleição de setores. Os setores, de certa maneira, se auto elegem. O que pode ocorrer é a localização de nichos promissores, que ainda vão precisar de um tempo. Quando vejo o governo dizer que está fazendo no pré-sal a mesma coisa que a Noruega fez, é uma maluquice. A Noruega montou uma indústria ancilar ao petróleo. Tinha conteúdo nacional, tinha proteção, tinha mecanismos de subsídio até - mas olhava para os setores promissores, sob o a ótica de se construir uma indústria exportadora. Foi isso que a Noruega fez. Se no Brasil há setores promissores, que precisam de proteção localizada temporal, será dada, mas dentro dessa perspectiva. Uma hora acaba e o setor protegido vai ter de ser competitivo internacionalmente. O mercado interno não vai estar disponível para ele a um preço diferente do de seus competidores internacionais.

Em paralelo a isso, como será a política macroeconômica - a fiscal, a cambial?

Edmar Bacha:
O que estou falando aqui é uma política de longo prazo. O projeto de longo prazo se estrutura em torno desse eixo da integração competitiva. Volta e meia vai bater um pouquinho de frente, ou de lado, com requisitos da política macroeconômica de curto prazo. Por exemplo: o câmbio. Como se coaduna a ideia de substituir tarifa de importação por câmbio, com a ideia de que o câmbio tem que flutuar livremente? Se coaduna mal. Digamos que o governo, no primeiro ano de mandato, anuncia que vai alterar de maneira fundamental a política industrial deste País. Doravante, todos nossos instrumentos de ação governamental estão voltados para reindustrializar o País na base da integração competitiva com o resto do mundo. Para isso, aqui está um programa, que vou implantar ao longo de certo número de anos. Ele inclui, por exemplo, que, no fim de sete anos, a tarifa média de importação vai ser de 5% e a máxima, de 10%. E inclui que essa política de conteúdo local, tal qual vem sendo aplicada agora, vai desaparecer. Não vamos mais determinar onde e quando proteger os setores com base em déficits comerciais setoriais. Se houver déficits, vamos tratar de resolvê-los por aumento de exportações e não por redução de importações. Número dois e não número um (referência à propaganda do remédio dos anos 50). Se houver determinação política e credibilidade, os agentes econômicos vão olhar e vão dizer: "vai haver uma inundação de importações". Se eu estou lá no mercado financeiro, penso: "caramba, daqui a dois anos vai começar a aumentar a quantidade de importações. Para importar, você precisa de dólar. Vai aumentar muito a demanda de dólares. Se a demanda por dólares vai aumentar, no ano que vem, o dólar, que está hoje R$ 2,30, vai a R$ 2,80. Cara, vou comprar o dólar hoje." O que acontece então? O dólar vai a R$ 2,80 hoje. Isso se você acredita na perfeita racionalidade dos mercados. Isso se forem pessoas que sabem o que estão fazendo, que vão fazer e que têm condições políticas para fazer. O que os agentes econômicos fazem? Antecipam. Por que o Plano Real deu tão certo? As pessoas disseram: "deixa eu entrar nessa jogada logo".

E a questão da inflação?

Edmar Bacha:
Como já disse o Pérsio (Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real), precisamos de um "desfazimento" de todas as distorções criadas nos últimos anos no contexto dessa "defunta nova matriz macroeconômica". Como parte da defunta, há um processo de segurar a inflação através do controle de preços básicos, especialmente energia e petróleo. Obviamente, isso vai ter que ser desfeito. Mas como faz se esse processo? É melhor fazer de uma vez ou por meio de um de ajuste?

O que o sr. acha mais adequado?

Edmar Bacha:
Vai depender. Quem chegar lá terá de avaliar as condições macroeconômicas. Em um de seus livros, Inflação: gradualismo ou tratamento de choque, de 1970, Simonsen (Mario Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda) queria o tratamento de choque. Bulhões (Otávio de Gouveia Bulhões, também ex- ministro da Fazenda), o gradualismo. Ganhou o gradualismo. Foi por isso que a gente não conseguiu baixar a inflação. Teria sido melhor fazer um tratamento de choque naquela época? Sim, diria hoje. Era melhor ter sofrido um ou dois anos, mas ter 20 à frente. É possível, politicamente, fazer isso? Sabemos que, se for um governo de oposição, o acirramento vai ser extraordinário. Como isso combina com mecanismos outros que o governo possa acionar para compensar esse agravamento dessa distorção de preços? O custo de vida vai subir. Como evitar que isso se transforme num ciclo inflacionário? Tudo isso vai depender um pouco da avaliação concreta de quais são as condições macroeconômicas e as condições políticas de implementação da uma política. O segredo todo é trazer o público com você. Quer dizer: "olha, nós vamos fazer isso". Agora, como você faz isso sem que haja antecipações negativas? Esse que é o problema de uma política econômica transparente. Você não anuncia que vai desvalorizar o câmbio amanhã, porque hoje o mercado desvaloriza em cima da sua cara. Você tem que entender o processo de formação de expectativas e tratar de usá-lo a seu favor - e não contra você.

Mas explique melhor como seria feito esse "desfazimento"?

Edmar Bacha:
Será preciso colocar o tripé de novo de pé. Mas, ao lado disso, temos que considerar as questões levantadas pelo Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do BC). Uma vez que você reconstruiu o que foi abalado, no ponto em que estava, temos que continuar o processo de construção institucional nas áreas monetária e fiscal. Porque o tripé, como bem apontou o Pérsio, era manco. Ele funcionava com base numa taxa de juros absurda. E queremos um tripé que funcione com base numa taxa de juros internacional. Portanto, precisamos continuar construindo as instituições que apoiem a política monetária para que ela tenha uma maior potência e possa fazer com menos juros o mesmo trabalho sobre a inflação. Tenho ideias sobre isso, no meu "artiguinho" de 2011: "Além do tripé".

Qual seria a linha?

Edmar Bacha:
Estabelecer teto para dívida líquida e bruta, meta inflacionária de longo prazo, com limite para o crescimento do gasto público. Tudo isso é parte do processo.

O sr. já apresentou essa proposta a algum candidato?

Edmar Bacha:
Obviamente eu discuto essas ideias. Vocês devem querer saber sobre a minha relação com o Aécio (Aécio Neves, senador por Minas Gerais e provável candidato do PSDB à Presidência da República). Não é segredo para ninguém que sou tucano. Mas não estou na campanha. Quando o Aécio me pergunta alguma coisa, eu apenas digo o que eu acho.

Vocês têm conversado?

Edmar Bacha:
Não. A última vez que conversei com o Aécio foi sobre o discurso dele. Esse discurso que ele fez sobre o Real.

Que cenário o sr. está vendo para a campanha?

Edmar Bacha:
Do nosso lado houve o apaziguamento interno. Desde o Fernando Henrique, esta será a primeira eleição em que o partido vai estar íntegro, apoiando um candidato. O trabalho do Aécio foi feito todo em cima disso e foi conseguido. O partido está unificado. Agora, temos que conseguir os palanques regionais. É isso que o Aécio está falando atualmente. A etapa final é na hora em que a TV se abre, após o fim da Copa. Aí vamos para o debate público.


A economia vai ter um peso maior nessa eleição?

Edmar Bacha:
Do jeito que as coisas estão indo, com certeza. A insatisfação existe. É uma insatisfação difusa. O emprego ainda está alto, mas, por outro lado, os preços estão saindo do controle. Existe medo do que o futuro promete. Há muita insatisfação com a qualidade dos serviços públicos. Existe o desejo de mudança. Isso está nas pesquisas de opinião pública. As pessoas estão insatisfeitas, estão querendo alguma coisa nova. 


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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

As fantasias do Real, por Guido Mantega

Passados quase 20 anos do lançamento do Plano Real, o sucesso da empreitada foi absoluto. As taxas de inflação controlaram-se após mais de 30 anos da doença hiperinflacionária.


Contrastado ainda com os múltiplos planos econômicos e monetários que sucederam-se num turbilhão entre o fim do Regime Militar e a adoção do Real, não restam dúvidas de que todos os objetivos tenham sido alcançados. Plano Cruzado, Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão e Plano Collor, cada um com suas bases teóricas, suas metodologias, seus táticas e estratégias, entre todos restou em comum o retumbante fracasso. Parte da explicação encontra guarida na incapacidade do Governo em reduzir significantemente o déficit orçamentário e realizar um verdadeiro aperto montário. Faltou a percepção de que a Inflação é um fenômeno monetário, e não um aumento de preços.


O Plano Cruzado chegou próximo de algum sucesso, mas em 9 meses, caiu como um castelo de cartas. Os que o sucederam, desnorteados, adotaram estratégias cada vez mais exóticas, perdendo-se em meio à vazias discussões teóricas. Por sua vez, o Plano Verão também teve alguma possibilidade de sucesso, e de certa forma legou ao Plano Real algumas valências, entre elas um corte fiscal mais ousado, a abertura econômica, o Plano Nacional de Desestatização e um ousado plano de reforma do estado.

É possível afirmar que só houveram outros dois casos de hiperinflação na história. A Hiperinflação Alemão dos anos 20, e a Hiperinflação do Zimbawe, até hoje não debelada... Em três décadas, entre 1965 e 1994 nossa moeda acumulou inflação de 1.142.332.741.811.850%. Sim, 1,1 Trilhão porcento. Após sucessivos cortes de zeros nas moedas (alguns deles feitos com um varzeano carimbo do Banco Central em notas antigas), perdeu-se a noção dos malefícios da Inflação e passamos à, bovinamente, conviver com ela... Até 1994...

Uma das remarcações varzeanas, de Cruzado para Cruzeiro Novo.
De qualquer sorte, o tema central do post não é esse, mas a ferrenha oposição do PT e de Lula contra o Plano - e posteriormente, à muitas medidas modernizadoras da Era FHC. Abaixo, segue artigo do então futuro Ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre a adoção do Plano Real, publicado na Folha de São Paulo, em 12 de Junho de 1994.

"06/07/2012
‘As fantasias do real’, por Guido Mantega

PUBLICADO NA FOLHA DE S. PAULO EM 12 DE JULHO DE 1994.

GUIDO MANTEGA

Diga-se o que quiser do Plano Real, pelo menos num aspecto ele foi bem sucedido. Conseguiu excitar a imaginação popular e passar a impressão de algo novo e diferente dos planos anteriores.

Os arquitetos do real não pouparam sua imaginação para lançar velhas ideias com aparência de novas, como o Comitê da Moeda, Banco Central independente, ou a dolarização com conversibilidade, mesmo que nada disso tenha sido utilizado.

Chegaram ao ponto de reinventar os reis ou reais, uma nova moeda fantasiada do dólar e garantida por um lastro que não exerce nenhum papel prático, uma vez que o real não é conversível, a não ser o de dar a impressão de que o real vale tanto quanto a moeda norte-americana.

E todo esse barulho para quê? Para vestir com roupagens sofisticadas e muitos truques de ilusão, mais um ajuste tradicional, calcado no corte de gastos sociais, numa contração dos salários, num congelamento do câmbio e outros ativos e, sobretudo, num forte aperto monetário com taxas de juros estratosféricas.

A parte mais imaginativa do plano, que foi a superindexação da economia pela URV, revelou-se a mais perversa, porque passou a ideia de que os salários estavam sendo perfeitamente indexados e resguardados da inflação. Quando, na verdade, foram colocados em desvantagem na conversão para a URV em relação a preços, tarifas e vários outros custos e ainda perderam os reajustes automáticos que a lei salarial lhes garantia.

De primeiro de julho em diante os salários serão pagos em real, que tem a aparência de ser uma moeda indexada, como se tivesse herdado as virtudes da URV, porém é uma moeda desindexada e totalmente vulnerável a corrosão inflacionária do real.

A regra de conversão dos salários pela média e dos preços, tarifas e outros custos pelo pico, matou dois coelhos de uma só cajadada. Reduziu preventivamente a demanda dos assalariados, que poderia aumentar com a queda brusca da inflação e comprimiu os custos salariais, dando uma folga para os preços.

Com esses artifícios, os preços têm chance de apresentar alguma estabilidade por algum tempo, porque desfrutarão de um conjunto de custos estáveis, como salários, tarifas, matérias-primas importadas, aluguéis e tudo o mais que foi congelado por até 12 meses, sem a aparência de estar congelado.

E aqui também a ilusão funcionou, porque vendeu-se a idéia de que o plano não utilizou o congelamento, quando, na verdade, congelou o câmbio, tarifas, aluguéis e contratos. Só não congelou mesmo os preços e deixou os salários no limbo de um semicongelamento, com o ônus de correr atrás do prejuízo que será causado pela inflação do real.

Portanto, mais do que um plano eficiente e bem concebido, o real é um jogo de aparências, que pode durar enquanto não ficar evidente que as contas do governo não vão fechar por causa dos juros altos, que o mercado sozinho não é capaz de conter os preços dos oligopólios sem uma coordenação das expectativas por parte do governo, que os salários não manterão o poder aquisitivo por muito tempo, que o real não vale tanto quanto o dólar.

Mas não se deve subestimar a eficiência das aparências e dos jogos de prestigiação nas artimanhas eleitorais. As remarcações preventivas dos preços, junto com os congelamentos, permitirão uma inflação moderada em julho e, talvez, uma ainda menor em agosto, numa repetição da trajetória dos preços por ocasião da implantação da URV, que subiram muito em fevereiro, na véspera da fase dois, elevando os índices de inflação de março, e depois caíram em abril e só voltaram a subir em maio e junho.

A questão é saber em quanto tempo o grosso da população irá perceber que uma inflação moderada por si só, acompanhada por um aperto monetário e recessão, não melhora sua situação, não cria empregos e, na ausência de uma lei salarial e correções automáticas, pode ser tão deletéria quanto uma inflação de 30% a 40% com indexação."

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O Colapso da União Soviética

Reproduzo abaixo o excelente artigo de Yedor Gaigar, economista soviético, traduzido pelo Alexsander Rosa, blogueiro cujo trabalho pode ser acesssado clicando aqui.

O paper aborda as causas econômicas do colapso do então Bloco Soviético, demonstrando dentre outras coisas a ainda atual problemática do Cálculo Econômico, teoria através da qual Mises demonstrou a lógica do inevitávei colapso das economias comunistas.

Leia e deixe seu comentário.

Tradução do artigo The Soviet Collapse, de Yegor Gaidar, publicado em 19 de abril de 2007.

O título do meu último livro [N.T. o livro de Yegor Gaidar], que eu gostaria de discutir hoje, pode ser traduzido como "O Colapso de um Império: Lições para a Rússia Moderna" (The Collapse of an Empire: Lessons for Modern Russia) [1]. Ele relata a história dos últimos anos da União Soviética. Mas quando escrevi sobre a URSS, tinha em mente os dilemas da Rússia contemporânea.

Há vários fatores que me fizeram escrever este livro. O primeiro foi o aumento nos preços do petróleo, que em termos reais começaram a se aproximar dos níveis do final da era de Brezhnev. O segundo foi a tendência perturbadora em mitificar o período final da URSS na atual sociedade russa e em sua cultura popular. Estes mitos incluem a crença que, apesar dos problemas, a URSS era uma superpotência mundial dinâmica até que usurpadores iniciaram reformas desastrosas. Ao menos 80% dos russos estão convencidos desta interpretação incorreta da história.

Historicamente tais mitos têm um precedente perigoso: a Alemanha no período entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra. Na época a lenda dizia que a Alemanha não tinha sido derrotada na guerra, mas "esfaqueada pelas costas" pelos judeus e pelos socialistas. De certo modo, o governo alemão da época tem sua parcela de culpa ao não publicar material sobre o que realmente aconteceu antes e depois da I Guerra Mundial.

Similarmente, o acesso a documentos sobre o colapso soviético está se tornando cada vez mais restrito, mas ainda podemos tornar públicos vários deles que podem explicar corretamente o que aconteceu ao nosso país.

Para ser sincero, eu jamais pensei que o livro -- metade feito de tabelas, gráficos e cópias de documentos oficiais -- pudesse ser um best-seller em meu país. Mas ele é, o que nos dá uma ponta de esperança.

OS GRÃOS

De maneira simplificada, a história do colapso da União Soviética pode ser contada como uma história de grãos e petróleo. Sobre os grãos, o ponto crucial que selou o destino da URSS foi o debate econômico de 1928-29, quando a discussão centrou-se no que mais tarde se chamaria de "Caminho Chinês" de desenvolvimento.

Por uma série de importantes indicadores sociais e econômicos, a URSS daquela época e a China do final dos anos 70 seguiram caminhos semelhantes (Figura 1). Na época, o líder do governo soviético, Aleksei Rykov, e o líder ideológico do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Nikolai Bukharin, defendiam a idéia de um caminho que incluía preservar tanto a agricultura privada quanto o mercado, assegurando estabilidade financeira -- mas mantendo o controle político do partido.
A liderança soviética escolheu outro caminho. A solução preferida por Joseph Stalin foi a desapropriação de terras dos camponeses, a coletivização forçada e a coleta de grãos. Bukharin e Rykov essencialmente disseram: "Num país de camponeses é impossível coletar grãos à força. Haverá guerra civil". Stalin respondeu: "Farei assim mesmo".

O resultado da política agrícola desastrosa implementada entre o final dos anos 20 e o início dos anos 50 foi a maior queda de produtividade experimentada por um grande país no Século XX. O problema-chave enfrentado pela URSS foi bem expressado na carta enviada por Nikita Khrushchev a seus colegas de liderança do partido. A carta dizia: "Nos últimos 15 anos não tivemos aumento na produção de grãos. Enquanto isso, estamos vivendo um aumento radical na população urbana. Como podemos resolver esse problema?"

Mais uma vez, discussões sérias surgiram entre os líderes soviéticos no início dos anos 1950, resultando em duas posições. A primeira era tentar melhorar a situação nas regiões agrícolas fora do fértil "Cinturão de Solo Negro", ao sul da Rússia. A outra idéia era resolver o problema usando o sistema de planejamento socialista: grandes projetos com uma concentração de recursos. Naturalmente, havia dúvidas se esta estratégia causaria flutuações ainda maiores no longo prazo.

Mas estas considerações foram ignoradas e a estratégia de aumentar drasticamente a área cultivada rendeu um sucesso temporário. De meados dos anos 1950 até o início dos anos 1960, a quantidade de grãos produzida aumentou significativamente. O problema era a quantidade limitada de terra cultivável e o crescimento contínuo das populações das grandes cidades. Assim, ainda nos anos 1960, as limitações deste plano tornaram-se evidentes.

Em 1963, Nikita Khrushchev enviou uma carta aos líderes do bloco soviético informando-os que não seria mais capaz de fornecer grãos. Naquele ano, a URSS comprou 12 milhões de toneladas de grãos, gastando para isso 1/3 das reservas de ouro do país. Khrushchev comentou: "O poder soviético não pode tolerar mais a vergonha que tivemos que passar" [2].

A produção estatal de grãos se estabilizou em 65 milhões de toneladas/ano dos anos 60 até os anos 80 (Figura 2). Isso era insuficiente para alimentar uma população que continuava crescendo. A Rússia, que antes da I Guerra Mundial era o maior exportador de grãos do mundo, passou a ser o maior importador.
Mikhail Gorbachev disse num encontro do CPSU: "Estamos comprando grãos porque não podemos sobreviver sem eles" [3]. Havia nações, como o Japão, que também importavam grãos e outros produtos agrícolas. Ao contrário da URSS, no entanto, esses países podiam exportar produtos manufaturados.

Porque a URSS não seguia o mesmo caminho? Porque a "industrialização socialista" resultou numa indústria soviética incapaz de vender produtos manufaturados. Nikolai Ryzhkov, presidente do Conselho de Ministros da URSS, expressou esse sentimento claramente em outro encontro de lideranças: "Ninguém compra nossa produção de máquinas. É por isso que estamos exportando apenas matéria-prima" [4].

O PETRÓLEO

As lideranças soviéticas deram sorte: exatamente ao mesmo tempo em que os problemas de falta de grãos surgiram, grandes campos de petróleo foram descobertos na região de Tyumen, na Sibéria.

Já em 1970, a Sibéria era considerada uma grande produtora de petróleo. Durante os próximos 12 anos a URSS aumentou a produção em 12 vezes. Os especialistas em petróleo avisaram o governo que aumentar a produção tão rápido poderia trazer problemas, mas não havia escolha.

Em 1975 a URSS começou a ter problemas com a produção: seria preciso fazer enormes investimentos para manter o mesmo nível de produção (Figura 3). No entanto, a União Soviética teve a sorte de conseguir preços excepcionalmente altos por seu petróleo a partir em meados dos anos 1970 (Crise do Petróleo de 1974).
O mercado de petróleo é peculiar por causa dos níveis variáveis de elasticidade da oferta e da procura tanto no curto quanto no longo prazo. As flutuações de preço são enormes (Figura 4). Há um conceito econômico muito bem conhecido chamado "choque externo". Nos EUA, a maior economia do mundo, o maior choque externo dos últimos 50 anos ocorreu em 1974, quando os preços do petróleo quadruplicaram e as Relações de Troca pioraram em 15%. Para a URSS, os preços estratoféricos do petróleo tiveram um impacto muito mais substancial no PIB, que podia ser medido em centenas de pontos percentuais. Começava ali o colapso do Império Soviético.
Ambições imperialistas baseadas em recursos tão instáveis não foram exclusividade da URSS. A "maldição dos recursos" foi bem analisada pela Escola de Salamanca com a experiência da Espanha nos Séculos XVI e XVII. A influência nos fluxos de ouro e prata das Américas para a Espanha é comparável ao impacto do faturamento com petróleo e gás da URSS (Figura 5). O Império Espanhol, sem perder uma única batalha em 50 anos, perdeu todas suas conquistas fora dos Pirineus, incluindo Portugal, e quase perdeu Aragón e Catalunha. Em 1989, também sem perder nos campos de batalha por 50 anos, a União Soviética perdeu o controle sobre o leste da Europa.
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, no entanto, os líderes soviéticos não estavam preparados intelectualmente para tirar lições da Escola de Salamanca. Com mais dinheiro, a URSS resolveu invadir o Afeganistão. A guerra mudou radicalmente a situação geopolítica do Oriente Médio. Em 1974 a Arábia Saudita decidiu impor um embargo no suprimento de petróleo aos Estados Unidos, mas em 1979 pediu proteção aos EUA, porque entendeu que a invasão do Afeganistão seria o início de uma tentativa soviética de controlar o petróleo do Oriente Médio.

O INÍCIO DO FIM

A início do colapso da União Soviética pode ser considerado o dia 13/09/85. Nesta data o Ministro do Petróleo da Arábia Saudita decidiu alterar radicalmente a política de preços do petróleo. Os sauditas "liberaram" o preço do barril, que tinha passado dos US$ 70 em 1980. Em pouco tempo estava menos de US$ 30.

Como resultado, a URSS perdeu cerca de US$ 20 bilhões, dinheiro sem o qual o país simplesmente não podia sobreviver. A produção de petróleo de 1985 era menos da metade da produção de 1975. A liderança soviética foi confrontada com uma difícil decisão sobre como se ajustar. Havia três opções, ou uma combinação de três opções, disponíveis.

Primeiro, dissolver o "império soviético" e efetivamente parar de subsidiar os países do bloco socialista, cobrando em dinheiro por petróleo e gás. Esta opção, no entanto, envolvia convencer a liderança soviética em 1985 a negar completamente os resultados da II Guerra Mundial. Na verdade, o líder que propusesse a idéia no Comitê Central do CPSU, na época, correria o risco de perder o cargo.

Segundo, reduzir drasticamente as importações soviéticas de comida em US$ 20 bilhões anuais. Em termos práticos, esta opção significaria a introdução de racionamento de comida em níveis similares aos vigentes durante a II Guerra Mundial. A liderança soviética sabia as conseqüências: a URSS não duraria um mês. Esta idéia nunca foi seriamente discutida.

Terceiro, implementar cortes radicais no complexo industrial-militar. Com esta opção, no entanto, a liderança soviética correria o risco de sérios conflitos com elites regionais e industriais, pois muitas cidades da URSS dependiam exclusivamente do complexo. Esta opção nunca foi seriamente considerada.

Incapaz de perceber qualquer uma das soluções acima, o governo decidiu adotar uma política de efetivamente ignorar o problema na esperança que ele desaparecesse. Ao invés de implementar reformas, a URSS começou a tomar empréstimos do exterior enquanto tinha crédito. De 1985 a 1988 o país fez pesados empréstimos, mas em 1989 a economia soviética parou.

AS DÍVIDAS

O dinheiro simplesmente desapareceu. Em 1989 a URSS tentou formar um consórcio de 300 bancos para fornecer um grande empréstimo, mas apenas 5 toparam e com isso o valor seria 20 vezes menor que o necessário. O governo recebeu um aviso do Deutsche Bank de que os fundos jamais viriam de bancos privados. Se a URSS precisava do dinheiro, teria que começar a negociar com governos do ocidente sobre créditos "políticos".

Em 1985, a idéia de que a URSS começaria a aceitar dinheiro em troca de concessões políticas soaria absurda. Em 1989 ela se tornou realidade, e Gorbachev entendeu a necessidade de pelo menos US$ 100 bilhões do Ocidente para movimentar a economia soviética. De acordo com o Presidente do Comitê de Planejamento Central, Yury Maslyukov:

"Entendemos que a única fonte de dinheiro é o petróleo. Se não tomarmos todas as decisões necessárias agora, ano que vem pode ser pior que nossos piores pesadelos. Os países socialistas podem ficar em situação crítica. Tudo isso nos levará a um colapso, e não somente nós, mas todo o nosso sistema."[5]
Nesse meio tempo, a URSS começava a ter grande escassez de comida e entregas de grãos não estavam sendo feitas a grandes cidades. Um dos assessores mais próximos de Gorbachev, Anatoly Cherniayev, descreveu a situação em Moscou em Março de 1991:
"Se os grãos não puderem ser obtidos em algum lugar, uma fome em massa virá em Junho. Moscou nunca viu nada igual em sua história, nem nos piores anos" [6]
O COLAPSO

Quando a situação da URSS é examinada do ponto de vista financeiro e contábil, as políticas de Gorbachev na época são muito mais fáceis de entender (Figura 6). Os empréstimos de governo para governo são feitos com condições rígidas. Por exemplo, se os militares soviéticos tivessem esmagado as manifestações do Partido Solidariedade em Varsóvia, a URSS não teria recebido os US$ 100 bilhões do Ocidente. O bloco socialista era estável enquanto a URSS tinha a prerrogativa de usar tanta força quanto necessária para reestabelecer o controle, como demonstrado na Alemanha, Hungria e Tchecoslováquia. Mas em 1989, as elites polonesas entenderam que os tanques soviéticos não seriam usados para defender o governo comunista.
Gorbachev não precisou dizer ao presidente George H. W. Bush, no Encontro de Malta (1989), que não usaria a força. Isso já estava evidente na época. Seis meses depois do encontro não havia mais nenhum governo comunista no Leste Europeu.

Claro, o Ocidente estava cauteloso sobre apoiar movimentos de independência dentro da URSS. Quanto as autoridades da Lituânia foram à embaixada dos EUA em Moscou pedir ajuda, a resposta foi negativa. Quando os soviéticos tentaram usar a força para reestabelecer o controle nos Bálticos em 1991, no entanto, a reação do Ocidente -- incluindo os EUA -- foi bem direta: Faça como quiser, o país é de vocês. Mas se quiserem usar a força, esqueçam o empréstimo de US$ 100 bilhões".

Quais eram as opções de Gorbachev na época? Ele não podia dissolver o Império Soviético facilmente; os conservadores eram fortemente contra. Ele também não podia impedir a gradual dissolução do Império sem uso massivo de força. Mas ao usar a força ele perderia os recursos necessários do Ocidente, sem os quais Gorbachev não tinha chance de ficar no poder.

Essa charada era a origem do dilema de Gorbachev, forçando-o a fazer um acordo com os militares e com Boris Yeltsin. Os linha-dura da KGB e do Exército perceberam Gorbachev como fraco e deram um Golpe de Estado em agosto de 1991. Em 3 dias ficou claro que o plano havia falhado, pois mesmo se eles achassem uma divisão disposta a esmagar as passeatas contra os golpistas, isso faria os grãos aparecer? Iria o Ocidente dar rapidamente os US$ 100 bilhões?

Em 22 de agosto de 1991 a história da URSS chegou ao fim. Um Estado que não controla suas fronteiras ou forças militares nem tem fonte de receita simplesmente não consegue existir. O documento que efetivamente concluiu a história da URSS é uma carta do Vneshekonombank (Banco Estatal Soviético) informando que o Estado Soviético não tinha um centavo nos seus cofres [7].

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[1] Yegor Gaidar, Gibel' Imperii: Uroki dlya sovremennoi Rossii [The Collapse of an Empire: Lessons for Modern Russia] (Moscow: Rossiyskaya Politicheskaya Entsiklopedia, 2006), disponível em www.iet.ru/publication.php?folder-id=44&publication-id=8912.

[2] "Presidência do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). 1954-1964: Registros dos Encontros. Notas taquigráficas. Diretrizes.". 2ª Ed., v.1. p. 778.

[3] "Notas taquigráficas do Plenário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Janeiro 27-28, 1987". The Russian State Archive of Contemporary History (RGANI), fond [record group] 2, opis' [series] 5, delo [file] 45, list [page] 3.

[4] Nikolai Ryzhkov, Desyat' let velikih potryaseniy [Ten Years That Shook the World] (Moscow: Kniga. Prosveshchenie. Miloserdie, 1995), 229.

[5] Notas taquigráficas do encontro no escritório do Chefe do Conselho de Ministros da URSS, Nikolai Ryzhkov. "O postavke dlya gosudarstva nefti, gazovogo kondensata i nefteproduktov v 1991 godu." [Regarding the Deliveries for the State of Oil, Gas Condensate, and Oil Products in 1991]. State Archive of the Russian Federation. fond [record group] 5446, opis' [series] 162, delo [file] 379, list [page] 131-137, 143-149.

[6] Ibid.

[7] Memorando de A. P. Nosko, Chefe do Vneshekonombank [Banco Estatal da URSS] para o Comitê Estatal de Gerência de Operações da Economia Nacional da URSS. "Ob ischepanii likvidnykh valyutnykh resursov" [Sobre o Esgotamento de Recursos Líquidos em Moeda]. 26 de novembro de 1991. Arquivo Estatal da Federação Russa. fond [record group] 5446, opis' [series] 163, delo [file] 1504, list [page] 11-12.

Fonte: http://alexrosa.blogspot.com.br/2007/08/o-colapso-da-urss.html

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terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Fim Sem Fim do Capitalismo: de novo, a lanterna na pôpa

Às vezes, quando demonstro admiração pelo trabalho e legado de Roberto Campos, jocosamente apelidado pela esquerda festiva de "Bobby Fields", as pessoas me olham com desconfiança e espanto.

Sua obra possue a habilidade e discernimento para pensar o presente e o futuro que os fãs atribuem à Karla Marx. Não obstante, até o presente momento nenhuma das "previsões" de Marx chegou à ocorrer, relegando-se este à mera categoria de poeta - enquanto colega de Nostradamus - ou ainda de pensador social. Como Economista, fracassou fragorosamente, fato que seus adeptos negam-se à aceitar.

Como forma, talvez, de auto-afirmação, à cada crise do capitalismo, surgem de novo os Profetas do Apocalipse, às gritas de que, finalmente, o Messias tenha acertado: é o fim do Capitalismo. E o sem fim, na verdade, do fim.

"Poucas coisas têm sido mais profetizadas que o fim do capitalismo. Parafraseando Mark Twain, pode-se dizer que as notícias de sua morte são algo exageradas. Se duas lições a história nos ensina é, primeiro, que a história não é dialética: “o socialismo não sucedeu ao capitalismo”, para usar a expressão de Daniel Bell. E, segundo, que a crise do socialismo parece hoje mais séria que a do capitalismo."

Acerta em cheio, Campos, ao colocar que a crise do Socialismo é mais séria do que a do Capitalismo, eis que o Estado do Bem Estar Social europeu está entrando em colapso, fruto exatamente deste monolitismo e da falta de sistemas de incentivos que pudessem dinamizar as economias européias.

"Nenhum dos dois sistemas hoje existe, obviamente, em sua forma pura, o que torna os termos “capitalismo” e “socialismo” simplificações duvidosas. Mas não se deve exagerar a convergência dos dois sistemas. As “economias de mercado” são perfeitamente diferenciáveis das “economias de comando”, ainda que as primeiras tenham absorvido graus intensos de intervenção governamentais e as segundas comecem a admitir os sinais do mercado no tocante a preços incentivos. Isso é dramaticamente perceptível nas zonas de confrontação: Alemanha Ocidental versus Alemanha Oriental, Coréia do Norte versus Coréia do Sul, China Continental versus Taiwan, e assim por diante."
Da mesma forma, é comum ver por aí análises simplificadoras do tipo "preto e branco", ignorando a existência de matizes de cinza. A China Popular não é um estado comunista em estado puro, como os Estados Unidos não são um estado capitalista liberal em estado puro. Mas existem matizes de mercado e estado em ambos.

Enquanto rui o Welfare State europeu, o Espantalho sobrevive: não importam as análises frias, interessa culpar o Capitalismo, o Liberalismo, as Grandes Corporações. Mas nunca o responsável único pela problemática européia: o Estado que gasta demais e que interfere demais na economia.

Novamente, neste artigo de 1981, Roberto Campos mostra característica que permearia sua obra, e que consolidaria no seu livro "A lanterna na pôpa". Escolhido à dedo o nome do livro, Campos alegaria que de todos os seus trabalhos consideraria-se uma "lanterna na pôpa", incapaz de iluminar o caminho à frente, sempre iluminando o caminho já percorrido, sem conseguir mobilizar suas idéias.

Para o bem do país, que possamos, ao menos, aprender com os caminhos iluminados pela Lanterna na Pôpa...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Protecionismo: isso tem que acabar.

O que você vai ver abaixo é o retrato de um país corroído pelo protecionismo e pelo estatismo.

A matéria da Rede Record mostra porque os automóveis custam tão mais caro no Brasil, em comparação com o restante do mundo. Ao apontar a cobrança de preços abusivos como responsável por esta situação, fica claramente detectado que a falta de concorrência e a cobrança abusiva de impostos são as causas de alguns dos problemas econômicos do país.


É claro que isso não se limita ao mercado de automóveis, mas alguns dos casos mais gritantes estão lá. Como do Honda City, fabricado em Sumaré, SP, e exportado para o México pelo preço de cerca de R$ 26 mil, e vendido no Brasil por pouco mais de R$ 56 mil. Desse total, somam impostos no valor de R$ 16.400,00. É preciso considerar que no valor do carro vendido no México já estão incluídos os impotos e taxas, além do frete marítimo. Um legítimo acinte.

Os defensores do protecionismo alegam que estamos protegento empregos, quando na verdade estamos protegendo empresários e lesando o consumidor brasileiro.

Da mesma forma eletrônicos, roupas e calçados, entre outros, vendidos no Brasil são sempre muito mais caros do que seus pares no exterior. Um Toyota Corolla custa US$ 16.000,00 nos EUA e US$ 38.000,00 no Brasil. Um iPad 2 custa aqui mais de R$ 2.600,00, enquanto que nos EUA o valor não sobe de R$ 1.400,00.

Há pouco tempo, vale lembrar, o governo anunciou aumento de IPI para carros com maior conteúdo importado.

sábado, 24 de outubro de 2009

Rise and Fall: a história de uma crise

"If you put the federal government in charge of the Sahara Desert, in 5 years there'd be a shortage of sand".
Milton Friedman

Quando do estouro da Crise Financeira Mundial, os Profetas do Apocalipse, antes condenados ao ostracismo acadêmico e político pelo próprio fracasso, ressurgiram das cinzas, qual Fênix rediviva, estufaram o peito, ergueram a cabeça e, uma vez mais, anunciaram o fim do Capitalismo, e o início de uma nova era, um novo tempo. Novamente, como já haviam feito inúmeras vezes, eles distorceram a realidade até que ela se enquadrasse nos seus conceitos ideológicos antiquados. Como em 1929 e como na Crise do Petróleo, informaram aos "infiéis" que o motor propulsor do capitalismo era justamente e força interna que o iria destruir: a liberdade econômica.

O ponto central desta idéia era bastante simples e palatável: fora a ganância exacerbada dos banqueiros que havia gerado a Crise. Diante deste pressuposto, fica fácil condenar o Capitalismo e a Liberdade Econômica. É uma velha tática de discussão, a Tática do Espantalho. Escolhe-se um espantalho facilmente condenável. Neste caso, a Liberdade Econômica como culpada pela crise. Entra-se na discussão basicamente vencida, derruba-se o Espantalho e anuncia-se como o vencedor do debate. Pronto.

O que os nossos gloriosos guerreiros não comentaram é que não se trata de uma Crise de Liquidez, muito pelo contrário. É uma Crise de Solvência. Mas pra entender isso, quero explicar umas coisinhas, fazer um flashback, até o início de tudo.

"E Deus criou a Terra, e viu que era bom..."

Ops, não TANTO... Para compreender as raízes desta Crise, é preciso entender a história recente da Economia Americana. Após um relativo sucesso da Administração Clinton em estabilizar a economia interna e distender as relações internacionais, a Administração Bush (compreenda-se, o Alan Greenspan, incensado como gênio, trabalhou para as DUAS administrações) falhou em controlar os Déficits Gêmeos, Fiscal e Comercial. Com a progressiva elevação dos gastos militares, em especial, e a conseqüente e gradativa degradação da Economia Interna, o Gov. Americano decidiu reduzir arbitrariamente as taxas de juros afim de reanimar a economia. Algo parecido, portanto, com o que defendem em Terra Brasillis os economistas mais heterodoxos e estruturalistas, os socialistas e os seguidores cepalinos. É de fácil constatação que uma economia com liquidez crescente consegue facilmente crescer de forma rápida. Até um cachorro consegue fazer isso. Mas sempre que o Governo manipula a Economia como se fosse uma marionete, na crença de que pode melhorar a alocação de recursos, mais cedo ou mais tarde, a economia cobra o seu tributo.

É simples e complicado ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo em que relaxa a política monetária baixando as taxas de juros, o governo aquece a economia, o que também acaba gerando uma demanda inflacionária. A economia aquece porque negócios que antes não eram viáveis, passam à ser, de forma artificializada, como que por um passe de mágica. Mas quando a inflação - e as pressões dos Déficits Gêmeos - se fizerem presentes, e o Gov. tiver novamente de elevar a taxa de juros (e garanto à vocês que isso vai acontecer, cedo ou tarde), estes negócios artificialmente feitos viáveis, voltam à ser inviáveis, e ai vem a ressaca do aquecimento induzido da economia.

Foi isto que ocorreu. Pequenos investidores familiares, atraídos pelo tremendo e repentino aquecimento do mercado imobiliário, já forte em países desenvolvidos, começaram à especular com imóveis cujo preço estava inflado artificialmente. Um exemplo bem prático. Uma família com uma hipoteca de US$ 100.000,00, cujo imóvel teve seu preço elevado à US$ 200.000,00 teve ofertado por instituições bancárias créditos para serem lastreados neste aumento de preço dos imóveis. Estas instituições venderem títulos no mercado afim de obterem recursos para emprestarem. Trocando em miúdos, estas instituições lastrearam seus títulos em créditos lastreados em preços elevados artificialmente de imóveis. Em alguns casos, as instituições que compraram tais títulos, também emitiram títulos para financiarem as operações. Estas operações levam o nome de "Derivativos", e foram os grandes alvos da fúria dos Profetas do Apocalipse.

Ocorre que, no princípio de toda essa situação está uma redução de juros, que feita artificialmente e num país cujos Déficits Fiscal e Comercial já eram um pesado fardo para a economia interna gerou toda a bolha especulativa no mercado imobiliário.

Mas tem uma coisa ainda mais bizarra em toda esta situação. Para vencer a crise, os Governos ao redor do Mundo optaram por qual remédio? Reduzir as taxas de juros artificialmente. Ahh, a sutil ironia, esta brincalhona. De toda a sorte, onde estarão os Profetas do Apocalipse agora, que a crise está cedendo?! Pois eu lhes digo facilmente: aguardando a nova bolha que surgirá das políticas anti-cíclicas que os Governos ao redor do Mundo operam para vencer a Crise. Senão vejamos: estas políticas aumentam o Déficit Fiscal e aumentam as Pressões Inflacionárias. Hummm, percebem alguma semelhança?