domingo, 14 de julho de 2013

A Voz que vêm das ruas...

Nunca antes na história deste país os políticos, os partidos, os movimentos sociais e a sociedade civil organizada esteve tão perdida quanto hoje.

No último mês, as manifestações populares tomaram o país de assalto. E o estopim de tudo isso parece ter sido os "vinte centavos" do transporte público em São Paulo. O aumento da tarifa levou à organização de manifestações pelo Movimento Passe Livre - que propugna a estatização do transporte público e o fim da cobrança pelo serviço -, com apoio de setores da extrema esquerda, entre eles PSOL e PSTU. Independente da orientação, qualquer manifestação popular é lícita e legítima, porque de outra forma não pode haver a real liberdade. Isso não significa em hipótese alguma o automatismo da concordância com as idéias e propostas em questão.

Quero deixar claro que a proposta de estatização e liberação das tarifas do transporte público é uma idéia por si só nefasta, sob o olhar da moralidade, porque externaliza custos, sob o olhar da economia, porque distorce a lógica de preços como fator fundamental de oferta e demanda, sob o olhar das finanças públicas, já combalidas e em especial as dos Estados e Municípios, e sob o olhar dos negócios, fazendo o diagnóstico errado (estatização vs. concorrência) para o problema certo.

Instados à explicarem o rendezvous por conta de vinte centavos, os movimentos populares logo disseram que "não era só por vinte centavos". Talvez acreditando legitimar MAIS (porque não há porque acreditar MENOS legítimo, fosse por um ou por vinte centavos), logo pautas progressistas foram levantadas pelos movimentos organizados. Com o mote "vêm pra rua", a população foi chamada para apoiar.

Conforme mais e mais brasileiros se dirigiam às ruas e avenidas de diversas cidades do país, as manifestações ganhavam novos contornos, porque a diversidade de pautas é proporcional à diversidade de segmentos sociais que se juntavam às manifestações. O que parece ligar estas pautas e segmentos tão distintos é a insatisfação geral com o país, a retumbante crise de representatividade, a sub-representação dos segmentos da classe média (porque os mais ricos pode comprar seus lobbies, e para as minorias abundam movimentos) e até mesmo o descolamento da realidade nacional em contraposição à propaganda oficial.

Em dado momento, mostrando sua face mais autoritária, o MPL - Movimento do Passe Livre - "denunciou" a guinada "fascista e conservadora" das manifestações, e após o anúncio da revogação dos aumentos por parte dos governos estadual e municipal de São Paulo, retirou-se das manifestações, colocando em xeque as afirmações de que "não era só por vinte centavos", e evidenciando o caráter político-partidário deste movimento.

Após a massificação, os dois pronunciamentos da presidente Dilma demonstraram que toda a classe política simplesmente não está entendendo o que está acontecendo. Em resposta aos movimentos, anunciou cinco pactos e a proposta de um plebiscito sobre a reforma política. Estas propostas levaram mais desordem, ao governo e à base aliada. No Congresso, arquivou-se a "Cura Gay". A presidência vetou trechos do "Ato Médico" e anunciou o controverso programa "Mais Médicos". Trocando em miúdos, as manifestações "esquentaram os pelegos" das autoridades, dos parlamentares e dos políticos em geral, colocando-os para trabalhar.

Nesse ínterim, mais uma vez as forças progressistas tentaram se "adonar" das manifestações: primeiro com a "Onda Vermelha" e depois com a Greve Geral das Centrais Sindicais. Ambos redundaram em rotundos fracassos. Este por conta da pequena adesão e da revelação de que os manifestantes recebiam valores para irem aos atos, e aquela pelo mal estar que causou, pela baixa adesão, e finalmente por ter o presidente do PT, Ruy Falcão, retirado o chamado aos militantes. O intento de utilizar as manifestações com objetivos partidários estava abortado.

Acredito que só com o tempo poderemos ter a real idéia dos resultados das manifestações que reviraram o Brasil, mas opino - crente de estar certo - que o fato mais importante até aqui é justamente o mais criticado pelos partidos, em geral de esquerda: justamente o fato de serem as manifestações altamente plurais, diversificadas, de tal modo à não existir uma só "bandeira" comum, além de ter colocado todos os políticos, quaisquer que fossem suas inclinações ideológicas, em estado de alerta máximo. No popular, a Voz que vêm da rua "preteou o olho da gateada".


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