sábado, 28 de abril de 2012

Separando os Bebedouros

Durante muito tempo após a Guerra de Secessão Americana (ou a Guerra Civil), que opôs escravagistas do sul e abolicionistas do norte, os EUA ainda conviveram com a segregação racial, o que constitui uma mancha gravíssima na história de quem se intitula a "Terra da Liberdade". Todo esse sistema segregacionista era suportado pelas chamadas "Leis de Jim Crow", adotadas por cada estado da federação, e que entre outros absurdos, identificava locais para uso esclusivo de brancos, e outros exclusivo de negros.

Bebedouros separados para Negros e Brancos.

Entre 1876 e 1965, quando foram abolidas pelo Civil Rights Act, as Leis de Jim Crow vigorara naquele país, envegonhando quem se pretende um defensor da Liberdade. Com a adoção do Ato dos Direitos Civis, pôs-se têrmo à um intrincado sistema estadual de segregação racial que se espalhou pelo país. Neste momento, os Estados Unidos iniciaram, primeiro tímidamente, uma série de Ações Afirmativas, com o intuito de emparelhar as oportunidades de um segmento da sociedade americana recém trazido à uma série de direitos civis, em comparação àqueles segmentos que já se beneficiaram sistematicamente do sistema segregacionista. Um intento certamente bem intencionado.

Como nos Estados Unidos, o Brasil criou e está aperfeiçoando um sistema de Ações Afirmativas, em benefício de cidadãos negros ou mestiços, dentre os quais o de maior vulto são as chamadas Cotas Raciais. Para suportar tal idéia, seus defensores argumentam que faz-se necessário para que a população de origem negra possa ter acesso aos direitos e oportunidades que lhes foram, século após século, negadas. O que, mais uma vez, constitui-se num intento de imaculada inteção. No entanto, pretendemos colocar alguns pontos nos "is", uma vez que qualquer discussão sobre tal assunto parece viciada entre "conservadores racistas" versus "minorias ambiciosas de benefícios".

Primeiro, é importante que façamos uma distinção entre os Estados Unidos dos anos 50, e o Brasil no alvorecer do séc. XXI. Enquanto os EUA tiveram um extensivo sistema de segregação, tal situação jamais aconteceu no Brasil se forma institucionalizada. Aos incautos que possam citar o Escravagismo no Brasil, é importante lembrar que, apesar do mesmo estar ligado à questão do negro, tratou-se de situação circunstancial: houveram escravos de todas as etnias, mas majoritariamente negros em virtude de entrepostos comerciais portugueses na África que adquiriam escravos de "senhores da escravidão" daquele continente, em geral líderes negros de tribos rivais que aprisionavam seus oponentes. Portanto nunca houve uma legislação que indicasse alguam etnia enquanto cidadãos de segunda classe. Além disso, qualquer estatística séria há de comprovar que o Brasil é um país muito mais multi-racial do que os EUA, pelo menos em termos étnicos. Enquanto lá os Brancos perfazem quase 80% da população, a etnia Negra ocupa a terceira posição (com cerca de 12% dapopulação), atrás inclusive de Hispânicos, que possui 15% dos cidadãos americanos. No Brasil, o quadro é inverso. Apesar de os Brancos ainda serem maioria (ao contrário da crença popular), com 47%, Pardos enquadram-se em 43% da população, e os Negros apenas 7%. A conclusão óbvia é que o Brasil é mais miscigenado do que negro. Estas duas conclusões, uma social (a inexistência de sistemas segregacionistas legais) e outra demográfica (o Brasil não é um país negro, e sim um país miscigenado), comprovam que a situação no Brasil e nos EUA jamais poderia ser comparada.

É claro que casos de racismo ou discriminação ocorrem e ocorrerão, e devem ser punidos, claro, mas sem a gritaria generalizada dos movimentos negros. No entanto, o Brasil é um país que históricamente demonstrou convivência pacífica entre diferentes etnias, destarte um ou outro caso pontual. Neste aspecto, leis de cotas raciais tendem à cumprir papel diverso daquele à que se propõe. Ao invés de reduzir tenções raciais, que em GRANDE parte já pareciam superadas, vai trazê-las à tona novamente, mexendo em velhas feridas, principalmente naquelas que ficam dentro das pessoas, no seu íntimo. Ao invés de ensinar tolerância à um branco que eventualmente venha à perder sua vaga para um estudante negro em virtude das cotas, corremos o risco de que o primeiro alimente sentimentos pouco nobres.

Vale dizer que existe um amplo embate acadêmico entre um grupo que defende as Ações Afirmativas como um amplo sucesso, e um grupo que questiona este sucesso. Nos EUA, vantagens numéricas para diferentes etnias são proibidas pois a Suprema Corte daquele país, ao contrário do nosso STF, declararam tais meios ilegais, inconstitucionais (não entrando no mérito, claro, das diferentes escolas de direito que formam o arcabouço de EUA e Brasil). Lá, as Universidades usam meios diferentes, como recrutadores com metas para o ingresso de estudantes oriundos de minorias. A diferença é abismal: nenhum negro ingressa numa faculdade sem que tenha tido nota maior que um branco. No Brasil, o inverso ocorre freqüentemente. Estudantes brancos com maior nota podem perder a vaga para um estudante negro com menor nota. A conseqüência é que não estamos captando estudantes baseados em sua excelência, e o resultado disto para nosso já combalido sistema educacional pode ser desastroso. Em contraposição, o sistema de metas adotado nos EUA ao menos busca os melhores estudantes negros, aqueles que possam manter um nível de excelência, e não dando-lhes uma espécie de handicap. É oportuno lembrar que a pobreza e a educação de baixa qualidade não atinge apenas estudantes negros. Nas camadas sociais mais desfavorecidas, tanto brancos quanto negros desfrutam de um sistema educacional pauperizado e falido, incapaz de dar à estes estudantes educação de qualidade semelhante à que um estudante, negro ou branco, de alguma escola particular de renomada qualidade. Neste caso, salta aos olhos a possibilidade que alguns sistemas de cotas de algumas universidades pode permitir que um estudante negro de classe alta, bem educado, furtar a vaga à algum estudante branco de baixa renda, cuja educação tenha se dado em alguma escola pública de baixa qualidade.

Nos EUA, um dos acadêmicos que combatem a idéia de "sucesso" das Ações Afirmativas é Walter Williams, que em vídeo (clique aqui para ver) explica: "Vamos ajudar o indivíduo D hoje, punindo o indivíduo C hoje, por que o indivíduo A de ontem fez ao indivíduo B de ontem".

No Brasil, tais Cotas parecem ter sido adotadas por três aspectos fundamentais: a) como forma de tapeação para mascarar um sistema educacional absolutamente falido, incapaz de bem educar nossa população, e por meio disto dispôr do único real meio de equalizar oportunidades de ingresso em boas universidades públicas, a educação; b) como forma de pôr em prática uma parcela da agenda da esquerda, corrente política dominante em nosso país; c) como forma de operacionalizar a agenda privada de um movimento de minorias que busca para si vantagens, assim como qualquer movimento social organizado.

I have a dream that one day down in Alabama, little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as sisters and brothers.

I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character.
- Martin Luther King Jr.

Para além dos RESULTADOS das Cotas Raciais, gostaria de focar naquilo que considero realmente essencial, em oposição ao que é acessório. Em seu famoso discurso, em 28 de Agosto de 1963, no Lincold Memorial, Martin Luther King Jr. enfatizou a necessidade de serem abandonados todos os sistemas legais que separavam e classificavam o cidadão americano em função da cor da sua pele, como forma de acabar com o acintoso e vegonhoso sistema que separava bebedouros para brancos e bebedouros para negros, como aquele que mostramos em foto no início do artigo. Ao retomar este sistema no Brasil, estamos mais uma vez "separando os bebedouros", classificando os cidadãos brasileiros não conforme seu caráter, seu mérito ou seu valor, mas sim conforme a cor da sua pele, e por meio da institucionalização este sistema, institucionalizando o racismo, a segregação racial e fomentando - quando deveriamos erradicar - o racismo e a discriminação no seio de uma nação já acostumada à diversidade racial e tolerância étnica.

Embuídos de um espírito nobre, o STF porém excede os limites da sua função. Conforme o ministro Luiz Fux, a "construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados adimplindo obrigações jurídicas”. Ou seja, o julgamento das Cotas Raciais no STF deu-se por inclinação pessoal ao "que é Justo", e não ao "que é constitucional", este último o verdadeiro papel do Supremo Tribunal Federal. Se é inconstitucional que eu use a cor da pele de um cidadão para separar o uso pelo mesmo de um ou outro bebedouro, porque seria constitucional que o estado segregue a população por cor da pele para dar à uma parcela uma vantagem, indevida, vale dizer, um handicap, de modo que um vestibulando de menor nota tome a vaga de um vestibulando de maior nota.

Está aberta a Caixa de Pandora, senhores. No Brasil, passados quase 50 anos do Civil Rights Act americano, que extinguiu a Separação dos Bebedouros, chegou a nossa vez de retomar esta repulsiva e racista prática. Chegou a nossa vez se Separarmos, ORGULHOSAMENTE para alguns, nossos Bebedouros.

Fontes:



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