Nascido Aírton Ferreira da Silva, por uma daquelas histórias que tornam-se lendárias e emblemáticas, receberia a alcunha que o acompanharia durante o restante de seus dias na Terra, quando o Grêmio trocou com o Força e Luz, então força esportiva do Rio Grande do Sul, um Pavilhão pelo zagueiro Aírton. Era iniciada uma trajetória que transformaria um simples jogador em uma lenda viva.
Deixando para trás as cores rubras do Grêmio Sportivo Força e Luz, agremiação ligada à Companhia Carris Porto Alegrense e à então CEERG (hoje CEEE), defenderia com êxito outro Grêmio, de tricolor de Negro, Azul e Branco, em quais cores escreveria para sempre o seu nome. Estreou num longínqüo 1954, em 1º de Agosto, contra o Cruzeirinho, de PoA, naquilo que era um Clássico da Cidade, num empate em 1x1, no antigo Estádio da Montanha.
Seu estilo clássico e elegante tornaram-se marcas reconhecidas de seu futebol. A marcação forte, mas leal e pouco faltosa, e a incrível capacidade para o desarme limpo o levariam para a Seleção Brasileira e para o Santos.
Por tudo isso, Pelé o elegeria, informalmente, como um dos maiores zagueiros de todos os tempos, dentre os que enfrentara. E não foram poucos os grandes marcadores que ousaram marcar o Rei Pelé. Ernst Happel, em 1958, Bobby Moore, Orlando de la Torre, Atilio Ancheta e Poletti, todos na Copa de 70, Raúl Machado, em 62, e Cesare Maldini, em 63. Tal admiração rendeu declarações de admiração.
Segundo alguns, Pelé teria dito que "(Aírton) era o melhor zagueiro do mundo". Não há comprovação, mas disse, quando da aposentadoria de Pavilhão que "Agora ninguém mais me marca sozinho". Ainda sobre Aírton, Alcindo Martha de Freitas, o Bugre Xucre, artilheiro do Grêmio, que jogou no Santos ao lado de Pelé, conta história abaixo:
"Quando cheguei no Santos, claro, eu falava muito com o Pelé. Ele tinha sido importante para a minha contratação. Numa dessas conversas, o Pelé quis saber sobre o Aírton. Ele nem sabia o seu nome. Me perguntou quem era aquele queixudo grande e elegante, que marcava sem fazer falta. O Pelé me disse que tinha jogado contra ele sem que fosse tocado uma vez sequer. Sem uma falta, nada. E, mesmo assim, o Pelé me garantiu que era quase impossível driblá-lo. Impossível não podia ser, porque Pelé é Pelé. Mas o Pelé se encantou com o Aírton. Dizia, impressionado: 'Aquele cara me marcou sem fazer falta! Sem nem me tocar. E me marcou, realmente me marcou' "
Ao lado de outros grandes atletas, como Arlindo, Alberto, Altemir, Áureo, Ortunho, Élton, João Severiano, Juarez, Paulo Lumumba, Sérgio Lopes, Milton, Vieira, Alcindo, Marino e Carlos Froner, dentre outros, marcou história no clube com uma seqüencia hegemonia quase insuperável de 11 títulos gaúchos em 12 possíveis, entre os anos de 1956 e 1967, classificações inúmeras para os torneios da Taça Brasil e Roberto Gomes Pedrosa. Venceu também o Campeonato Sul-Brasileiro de 1962, láurea nunca alcançada pelo auto-intitulado "Campeão de Tudo".
Como se não bastasse, em 1956 a Seleção Gaúcha - e não o Internacional, como gostam de bradar os idólatras da mentira, alcançando alguns incautos - representaria a Seleção Brasileira no Campeonato Pan-Americano de Seleções, com jogadores de Grêmio, Inter e Renner, entre outros clubes. Sagraria-se Campeão, vestindo a camisa da Seleção Brasileira, honraria máxima para um jogador do país.
Além do estilo clássico, da elegância, da marcação pouco faltosa, do desarme limpo, outra característica marcaria um novo ponto da carreira de Pavilhão: sairia dela como entrou. A habilidade e intimidade com a bola eram marcantes. Sua jogada característica era levar a bola até a bandeirinha de escanteio, e recuar para o goleiro "de letra" ou "de Charles", como se dizia na época. Acabou cortado da Copa de 1962 conforme retrata a história abaixo.
"O ano é 1962. Os jogadores da Seleção Brasileira convocados para a Copa do Mundo do Chile estão treinando em Campos do Jordão, região serrana do Estado de São Paulo, escolhida a dedo para acostumar os jogadores do “escrete” ao clima e à altitude dos Andes. O zagueiro Aírton Pavilhão, do Grêmio (o único convocado de fora do eixo Rio-São Paulo) recebe uma bola na frente da área e dirige-se até a bandeirinha de escanteio, no que é acompanhado pelo adversário do treino. Chegando lá, Aírton parecia encurralado: atrás de si, o atacante; à frente, o final do campo. De repente, para surpresa de todos, ele gira o imenso corpo de 1m89cm e posicionando a bola do lado de fora do pé esquerdo, chuta-a com o peito do pé direito fazendo um lançamento para o goleiro Gilmar, a alguns metros dali. A isto antigamente chamava-se “dar de Charles” (hoje, chamaríamos “dar de letra”), e era uma jogada muito utilizada por atacantes habilidosos. Eu disse atacantes – nunca um zagueiro comum faria uma coisa dessas. Eu disse um zagueiro comum – não Aírton Ferreira da Silva. Todos ficaram boquiabertos com o lance, inclusive o treinador, Aymoré Moreira, que nunca vira nada parecido. E como nunca vira nada parecido, achou melhor dispensar Aírton do grupo que iria ao Mundial, com medo que ele repetisse e errasse a jogada durante o torneio. A verdade é que o único errado nesta história era o próprio Aimoré Moreira: Aírton nunca errou aquela jogada. Com isso, o Brasil perdeu a chance de ter tido o primeiro zagueiro, desde Domingos da Guia, a rivalizar em talento com os nossos melhores atacantes e a chamar a atenção do resto do mundo. A seleção de 1962 ficou mais pobre sem ele."
Foto do ClicRBS, durante o Velório coberto pela Bandeira do Grêmio, e ao lado, tendo segurada a camiseta Alvi-Rubra do Força e Luz.
Dessa forma, Aírton saía da Seleção Brasileira, com a qual poderia ter conquistado a taça, e à 3 de Abril de 2012, Pavilhão saía da vida, e tornava-se mais uma daquelas lendas, vivas ou mortas, que certamente serão cultuadas por décadas, ou mais tempo. E sobre grandes ídolos do passado, como manda o figurino, repousam grandes lendas. Veja algumas delas abaixo:
- Aírton fazia truques: um deles era jogar a bola para cima e, antes que voltasse ao solo, dar outro balão, fazendo-a subir e a torcida no Olímpico urrar. Na descida, Aírton aparava-a na ponta da chuteira.
- Em outro, arrastava a bola até a bandeirinha de escanteio e, de lá, mandava-a "de letra" sobre as cabeças dos atacantes, nas mãos do goleiro do Grêmio.
- Aírton não fazia faltas. Na única vez em que cometeu esta infração, sobre o centroavante colorado Larry, saiu de campo lesionado.
- Em um Gre-Nal, virou lenda a história de ter tirado de cabeça 40 bolas da área gremista.
- Consta que o primeiro drible que levou de um centroavante foi no fim de sua carreira, quando estava prestes a se aposentar.
- Na Seleção Brasileira, Aírton dividiu o campo com outros gênios, como Garrincha, Pelé, Zagallo e Zito.
- Segundo o colega de Grêmio Alcindo, Pelé teria dito, sobre Airton: "Aquele cara me marcou sem fazer falta! Sem nem me tocar. E me marcou, realmente me marcou."
Relembre entrevista de Aírton clicando aqui.
Pavilhão nascera colorado, e chegou à habitar as categorias de base do clube. Colhendo esse ensejo, aproveitamos para parabenizar o Sport Club Internacional, pelos seus 103 anos de "proficua existência", como se dizem nas solenidades. Não esconde-se de ninguém que este blogueiro é gremista, mas são personagens como o Aírton Pavilhão que nos lembram sempre que o respeito mútuo é movido sempre à base da grandeza que é reservada sempre aos grandes personagens. Grandeza de reconhecer a grandeza alheia. Como há muitos anos atrás um ainda humilde Fernando Carvalho dedicou um belíssimo texto ao centenário do Grêmio, que pode ser lido aqui, queremos celebrar tão importante data, porque há cento e três primaveras podemos medir forças com rivais à nossa altura.
Parabéns, Sport Club Internacional.
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